Uma equipa multidisciplinar da Universidade de Coimbra (UC) e da Unidade Local de Saúde de Coimbra (ULS Coimbra) demonstrou, pela primeira vez, o impacto direto de uma terapia génica inovadora ao nível do cérebro de doentes com uma distrofia hereditária da retina associada ao gene RPE65, responsável por perda visual grave bilateral.
O estudo, publicado na revista Communications Medicine, do grupo Nature, analisou a resposta cerebral a estímulos visuais em pessoas tratadas com voretigene neparvovec, uma terapia administrada sob a retina após cirurgia intraocular (vitrectomia). Embora os benefícios visuais da terapia já fossem conhecidos, os investigadores foram mais longe, documentando mudanças no córtex cerebral visual dos pacientes após o tratamento.
Os participantes foram avaliados antes e um ano depois da intervenção, com recurso a exames imagiológicos e testes funcionais, incluindo ressonância magnética funcional. Os resultados revelaram melhorias significativas na sensibilidade à luz, sobretudo em ambientes de baixa luminosidade. Curiosamente, a resposta não se limitou à retina tratada: as regiões visuais do hemisfério cerebral direito, com predominância funcional na visão, mostraram maior adaptação à intervenção.
“Estas descobertas mostram que o cérebro é um parceiro ativo na resposta à terapia génica”, explica Miguel Castelo-Branco, docente da Faculdade de Medicina da UC e diretor do CIBIT (Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional). Segundo o investigador, os dados sugerem também a importância de abordagens de reabilitação visual para maximizar os efeitos do tratamento. “Tal como acontece com os implantes cocleares na audição, é necessário reeducar os circuitos cerebrais para potenciar os ganhos sensoriais”, acrescenta.
O estudo insere-se na colaboração da ULS Coimbra com a ERN-EYE, rede europeia de referência para doenças oculares raras, que integra 24 países da União Europeia e tem como objetivo melhorar o diagnóstico e acompanhamento de mais de 900 patologias raras da visão, principais causas de cegueira em crianças e jovens adultos.
O artigo tem como primeiros autores Mariana Ferreira, doutoranda da UC e investigadora no CIBIT, e João Pedro Marques, coordenador clínico da Consulta de Oftalmogenética da ULS Coimbra. Contou ainda com a participação dos investigadores Miguel Raimundo e Hugo Quental.
O estudo completo está disponível em: www.nature.com/articles/s43856-025-00820-y.