Os juízes e jurados no julgamento do caso da morte de Mónica Silva, conhecido como o da “grávida da Murtosa”, consideraram credível o relato de uma testemunha-chave da acusação que, em tribunal, afirmou ter sido alvo de “tratamento desadequado” nas instalações da Polícia Judiciária (PJ) de Aveiro, incluindo um “calduço”.
Segundo o acórdão, proferido esta terça-feira e que absolveu Fernando Valente da acusação de homicídio, o homem — colaborador da família Valente — foi descrito como alguém “humilde” e com “limitações de expressão”. Em julgamento, negou ter feito qualquer “limpeza profunda” no apartamento onde o Ministério Público (MP) defendia que Mónica Silva teria sido assassinada.
O tribunal sublinhou que o depoimento desta testemunha evidenciou “veracidade” quanto às queixas de maus-tratos. Relatou que, no dia do interrogatório, esteve com elementos da PJ entre as 17h e as 23h10, sem pausas ou alimentação, o que o deixou “cansado” e “agastado”. No dia seguinte, quando foi novamente prestar declarações ao MP, fê-lo acompanhado da sua companheira, o que o tribunal entendeu como sinal do “receio/desconfiança” gerados pela experiência anterior.
Em sede de inquérito, a testemunha apresentara versões contraditórias, nomeadamente sobre os produtos usados na limpeza (referindo à PJ “óleo e líquido de cheirinho” e ao MP “hipoclorito de sódio”) e sobre pormenores como a existência de um tapete ou o tipo de roupa vista no apartamento. Em tribunal, justificou essas divergências dizendo que o auto da PJ refletia “o que eles querem que diga”.
Perante estas contradições, o tribunal valorizou o relato de maus-tratos, concluindo haver suporte nos autos para suspeitas de “tratamento desadequado” por parte da PJ de Aveiro.
Na sequência destas revelações, foi extraída certidão para investigar eventuais crimes relacionados com a forma como a testemunha foi tratada. A PJ, por seu lado, repudiou qualquer suspeita de ilegalidades, recordando que tais factos já haviam sido arquivados pelo Ministério Público.
Fernando Valente foi absolvido de todos os crimes, incluindo homicídio qualificado. O MP pedira a pena máxima de 25 anos. O advogado da família de Mónica Silva anunciou a intenção de recorrer para o Tribunal da Relação.